Diário #13: A urgência é ser Humano
[ou A última fronteira]
Dia 1
Gondomar - Monasterio
Dia 2
Monasterio - Algeciras
Dia 3
Algeciras - El Aouamra
Dia 4
El Aouamra - Marrakech
Dia 5
Marrakech - Tan-tan Plage
Dia 6
Tan-tan Plage - Marsa
Dia 7
Marsa - Dakhla
Dia 8
Dakhla - Birgandouz
Dia 9
Birgandouz - Nouakchott
Dia 10
Nouakchott - Saint Louis
Dia 11
Saint Louis - Kaolack
Dia 12
Kaolack - Zinguichor
Dia 13
Zinguichor - Catió

A diferença é fundamental para a nossa espécie. No entanto, a mesma diferença que nos enriquece, também aperta o espaço onde podemos encontrar o que nos une. Ninguém escolhe o seu código genético e o local onde nasce; o sexo, a pigmentação e a lotaria geográfica condicionam fortemente o que vamos poder fazer na nossa vida. Mais uma vez, não pretendo de forma alguma desvalorizar o mérito e o trabalho, mas o factor sorte é muitas vezes esquecido nos sucessos e insucessos. Nos sucessos, a sorte é desvalorizada; nos insucessos, a culpa tem sempre companhia no seu funeral. Temos de encontrar espaço para ensinarmos a lidarmos com os insucessos aos nossos jovens. Estes precisam de ter espaço para falhar de forma saudável.

Hoje, foi o nosso último dia de viagem. A última fronteira. As estradas voltaram a ser um pesadelo. As crianças tapam alguns dos muitos buracos das estradas junto às tabancas e tentam cobrar o seu trabalho fazendo barreiras com fios. Não sei se é empreendedorismo ou se é triste.

Gostamos de acreditar em contra-exemplos para validarmos as nossas crenças de um mundo justo. O sucesso improvável valida a igualdade de oportunidades. Porque tive a minha infância e não a das crianças que estão sentadas na Tabanca a acenar-nos?

Chegamos a Catió já de noite, devido às terríveis condições das estradas, mas também devido às constantes paragens que tinham o objetivo de adoçarmos algumas mãos. Assim que percebiam o objetivo da Blatt, o reinício da viagem era mais rápido, sempre acompanhado de votos de boa-viagem. Quando dizíamos que íamos para Catió, sentíamos a compaixão de estarmos longe de casa e num caminho complicado. Conseguimos chegar ao fim da viagem sem termos de ceder qualquer do que levávamos para as nossas crianças.

Ao chegarmos a Catió tivemos a incrível recepção da Academia Desportiva Na Rota dos Povos. Foi muito bonito e emocionante.

Gostaria de relembrar que o objetivo desta viagem era trazer uma carrinha adaptada para o Centro de Educação Especial e Terapêutica da “Na Rota dos Povos” que dará apoio a cerca de 40 crianças com diversidade funcional. Muitas destas crianças terão acesso pela primeira vez a serviços que todos, independentemente das nossas diferenças, deveríamos ter: educação, alimentação, diagnóstico e tratamento.

A última mensagem escrita na Blatt, foi escrita por mim e é um poema de Isaac Watts que era frequentemente citado por John Merrick, mais conhecido por outro nome, que prefiro não referir:

Tis true my form is something odd.

But blaming me is blaming God;

Could I create myself anew,

I would not fail in pleasing you.

[O resto do poema:

If I could reach from pole to pole,

Or grasp the ocean with a span,

I would be measured by the soul,

The mind's the standard of the man.

Ninguém é feito de um único pedaço e nenhum de nós resulta de um processo de cristalização. Todos somos feitos a partir de retalhos, construídos em fragilidade e vulnerabilidade. É importante aceitar a diferença e encontrar nela o que nos faz humanos.

A urgência é ser Humano.

Muito obrigado a todos os que nos acompanharam nesta viagem 🚑💕💕

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