Temos a tendência de avaliar os planos pelos resultados. O mundo torna-se muito mais fácil de explicar quando o analisamos de trás para a frente. É o equivalente a definir as metas depois de lá chegarmos; tudo parece óbvio depois de ter acontecido. Curiosamente, de forma oposta, não nos apercebemos que grande parte das oportunidades a que temos acesso, são-nos oferecidas pelo sítio onde nascemos e pela família que nos acolheu. Sem querer retirar o mérito da equação do cálculo do sucesso, é importante reconhecer que o fator sorte é determinante na nossa vida.
Chegamos com muita antecedência a Algeciras, cidade no sul de Espanha, para saber que todos os ferries daquele dia tinham sido cancelados. Foi a informação mais exata que recebemos durante dois dias. Apanhamos o #TemporaldeLevante mais duro dos últimos anos. Os funcionários do “Puerto Bahía de Algeciras” acreditam que nada é mais importante do que as perguntas e, por isso, foram-nos deixando confortavelmente sem respostas.
Uma das soluções que nos apresentaram era consultarmos regularmente uma aplicação que indicava o posicionamento dos navios. Se estivessem parados queria dizer que não estavam a circular. Foi a informação mais coerente que nos deram durante dois dias. O que não nos souberam dizer foi, no caso de começarem a circular, o que poderíamos fazer para viajarmos neles. Disfarçadamente, abanei a aplicação.
Neste tipo de viagens, como na viagem da nossa vida, os imprevistos são inevitáveis. Curiosamente, nunca aparecem quando os esperamos. Por isso, ficamos surpreendidos com este inesperado contratempo. Só estávamos a contar com surpresas uns dias depois. Quando alguma coisa se intromete nos nossos planos, facilmente nos queixamos. No nosso caso, tínhamos de procurar um quarto onde ficar [Famílias inteiras tiveram de ficar a dormir no porto] e atrasar a nossa viagem um ou dois dias [Muitas das famílias não tinham qualquer informação de quando poderiam atravessar o mar]. Certamente por ver todas aquelas pessoas a dormir no chão, e pela proximidade do mar que estávamos a tentar atravessar, apesar de tudo com toda a comodidade e segurança, apertou-se-me o coração ao imaginar o que seria atravessar aquela água revoltada, feita de lâminas geladas sem condições.
Mais de 1% da população mundial é refugiada e 40% destas são crianças. É triste sentir que é importante referir que um refugiado não é alguém que está à procura de melhores condições. Como se a procura de melhores condições não fosse um motivo suficientemente válido para atravessar fronteiras. Um refugiado é alguém que foi obrigado a fugir de sua casa. Se a nossa casa é onde o nosso coração está; abandonar a casa é deixar-nos para trás.
Metaforicamente, imagino a espécie humana de forma semelhante à Hipótese de Gaia, isto é, como se cada um de nós fosse parte de um organismo gigantesco. Nesta perspetiva, vivemos num mundo estranho. Vivemos num mundo em que o pé não se importa com a mão, porque não nos leva para lado algum; a mão não se importa com a boca porque dificilmente agarra sem mastigar; e a boca não se importa com o pé porque, para chamar, tem de se aproximar.
Só seremos verdadeiramente humanos quando sentirmos o outro. Sentir o outro é sentirmo-nos. É sermos um todo na nossa diversidade 🚑💕💕