Diário #5: Sobre o “modus ponens” na definição do sucesso
[ou Os trapezistas sem rede]

Umas das grandes dificuldades de uma intervenção em qualquer comunidade é a avaliação dos efeitos colaterais e da validade das acções. Nestes processos, a multiplicidade de regras “modus ponens” são um dos maiores entraves a qualquer movimento.

Na lógica proposicional, o “modus ponens” permite argumentar ou inferir de forma simples: se P implica Q e P é verdadeiro então Q acontece. O problema é que uma das proposições mais inferidas é Q = “Não vale a pena”. Certamente porque encontramos muitas proposições que podem ter Q como consequência, passa-se à abdução. Assim, da mesma forma que se tiveres um martelo, tudo te parece um prego; se nada vale a pena, nada se faz.

Acredito que a principal contribuição para este problema passa pela facilidade em se explicar um evento depois deste ter acontecido. Todos os caminhos registados aproximam-se do resultado final e, assim, todas as decisões tomadas são validadas. Em oposição, as divergências nas interpretações são sempre maiores quando viajamos do passado para o futuro. Infelizmente, eu só sei viajar nesta direcção do tempo, com a inevitabilidade de passar pelo presente. É bem mais difícil perceber-se a partir do destino que tudo poderia ter sido diferente, especialmente porque a inversão do tempo dificulta a identificação de particularidades.

As avaliações centram-se nos movimentos feitos, mas esta visão não é justa. É o mesmo que avaliar o movimento de um trapezista, ignorando se este tem, ou não, rede. O movimento até pode ser o mesmo, mas a segurança é certamente muito diferente.

Na Guiné-Bissau, a vida acontece freneticamente, mas num trapézio sem rede. Doenças “menores” ou possuir um condição física debilitada tornam-se sentenças. Nascer-se mulher reduz incrivelmente a possibilidade de acesso a uma educação básica. Estas e outras proposições semelhantes, aqui, são tautologias.

Embora os meus pais não tenham tido a oportunidade de estudarem, deram-me todas as condições para que eu pudesse fazê-lo. Durante muito tempo, achei que o meu sucesso, pelo menos o académico, era meu, mas na verdade percebo agora que é tanto, ou mais, o sucesso deles.

Um professor disse-me, há muitos anos atrás, que os planos não se podem avaliar pelos resultados, mas considerando-se apenas as informações que se tinha na altura das decisões. De forma semelhante é necessário redefinirmos a nossa definição de sucesso, e aquilo que podemos fazer, nunca esquecendo que muito daquilo que conseguimos foi possível porque nos apoiamos nos ombros dos gigantes que passaram antes de nós. Acima de tudo, o grande factor do nosso sucesso, é onde nascemos.

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