Esta noite acordei com o mais forte som de trovoada que já ouvi. A simultaneidade da luz e do som, indicava que o ponto de contacto entre o ceú e a terra tinha sido muito próximo. O tempo é sempre relativo, mas, neste caso, o trovão teve a incrível capacidade de, mesmo horas depois, colocar-nos todos no mesmo instante e de nos unir à volta do mesmo evento. Por isso, de manhã, todos falavam do estrondo e da forma como lidaram com o medo que o acompanhou. Uns taparam os olhos, outros não conseguiram voltar a dormir, ficando em alerta, enquanto outros tentaram ignorá-lo para que este não voltasse. Eu fiz “tripla”.
Sou das pessoas mais assustadas que conheço. Aqui, até dos caracóis tenho medo.Tenho a sensação que vão puxar-me para dentro da sua carapaça para me digerirem lentamente. [Como já percebi que não me lêem com a mesma voz com que eu escrevo, às vezes, interpretam-me literalmente e, por isso, tenho que realçar que estou a exagerar, embora confesse que não tocaria nos “corninhos” dos caracóis. Até porque não tenho braços suficientemente grandes]. No entanto, já há algum tempo que não deixo de fazer coisas porque tenho medo. Senão, não faria nada.
Por vezes, dizem-me coisas como: “Admiro como superas os teus medos para atingir os teus sonhos”, mas não sei muito bem de que sonhos estão a falar. Tenho uma definição vygotskiana de sonhos. Para mim, os sonhos têm que estar numa zona de proximidade. A única excepção é ainda acreditar que um dia terei os super-poderes do Homem-aranha.
Por outro lado, talvez não tenha uma definição de realidade consensual porque tenho uma visão heisenberguiana da realidade. Com isso não quero dizer que acredito em factos alternativos, mas apenas que compreendo que o contexto e os pontos de vista podem alterar a forma como vemos o mundo e que, quanto mais próximos do evento, menos percebemos para onde este vai. Provavelmente por isso, ocasionalmente, ainda continuo a tentar colar-me a uma parede e a tentar atirar teias de aranha.
Assim, para mim, a melhor forma de viver, implica encontrar o equilíbrio entro o sonho e a realidade, entre aquilo que podemos alcançar e o local onde estamos. Neste contexto, nada melhor para tentar visualizar este espaço imaginário do que pedirmos a uma criança que desenhe os sonhos que iremos concretizar.
Neste exercício profético, o primeiro desafio é explicar às crianças o que é o futuro. Para as crianças, o futuro é esticar a altura e poder comer gomas (ou beber água sem ser fervida) sem os adultos ralharem. O futuro é um local que pouco interessa às crianças. É um local cheio de coisas interessantes, mas que neste momento cá serve para nada.
O segundo desafio é separarem o vosso futuro do futuro da criança. As crianças não deixam de se colocarem onde olham. Esta é uma capacidade muito importante porque conseguem transportarem-se com o olhar. É a melhor das formas de solidariedade porque nunca conseguem ficar indiferentes.
Finalmente, o terceiro desafio é percebermos o que desenhou a criança. Terão elas desenhado um sonho real ou a realidade de um sonho? Tal interpretação depende do futuro da leitura, do passado dos desenhos e do presente que recebemos.
Ter desenhos feitos por crianças, é uma das maiores fontes de riqueza e é o primeiro passo para pecebermos que muito daquilo que valorizamos não é verdadeiramente importante e que, já agora, nós também não somos assim importantes.
Em resumo, como dizem os Beatles, “And in the end the love you take, is equal to the love you mak(e)”.
PS: Se tiverem bons desenhos como resultado deste exercício, partilhem, por favor 🙂